Nova série
ano VIII
Agosto 2017
ISSN 2177-2673

Número
23

Editorial

 

     O texto de Jacques-Alain Miller que Opção Lacaniana online nova série ora publica – “Proposta sobre a Garantia” – foi apresentado em uma atividade intitulada “Questão de Escola”, que no início de cada ano, há sete anos, trata de dois temas candentes da experiência de uma Escola de Lacan: O Passe e a Garantia. Este ano, a Escola da Causa Freudiana – ECF – promoveu essa atividade cujo mote foi articular o Discurso do Mestre ao Discurso Analítico[1]. O texto de Miller é assim chave para uma retomada sobre o gradus de AME, um dos dois propostos por Lacan para a associação psicanalítica, pelo que melhor se presta a um diálogo com a contemporaneidade e, consequentemente, para se apresentar à altura da subjetividade de sua época.

 

     À pergunta sobre que relação a psicanálise quer manter com o discurso do Mestre, Miller responde que é pelo viés do agrupamento que o discurso analítico se submete abertamente ao discurso do Mestre, já que o psicanalista não é reconhecido e nem demanda sê-lo pelo discurso do Mestre. Assim, abertamente, pelo viés associativo, se submete ao discurso do Mestre, ao mesmo tempo que, com docilidade, o subverte. Chama atenção ler que se submete abertamente. O que isso significa? Abertamente subentende que não se associa de forma implícita, ao mesmo tempo em que, na sua forma de se associar, subverte o discurso do Mestre às escondidas. Estamos acostumados a entender que o discurso analítico é o avesso, na contra mão, como espinha atravessada na garganta, do discurso do Mestre. No entanto, há submissão, mas não sem subversão. Submissão junto com subversão, jogo sutil. Quando o Mestre nos aperta muito de perto, cabe a nós persuadi-lo, seduzi-lo, para seguirmos nosso empreendimento sem o irritar. Entendo que abertamente queira também dizer que é a Escola que mostra a cara para o Mestre, que dialoga com ele, pois é com a Escola que iremos seduzir e até mesmo persuadir. O discurso analítico não apenas não dissolve os semblantes dos outros discursos, o que lhe é característico, como ainda denuncia igualmente o seu próprio. Ou seja, ainda que só obtenha seu efeito do semblante, a operação da psicanálise tem como objetivo desnudar o real. Este é o paradoxo de uma operação que afeta o real, levando, ao final, o suporte de semblante, o Sujeito suposto Saber – SsS – ao encontro de sua vocação a se autodestruir[2].

 

     O início de 2017 também reservou várias outras surpresas. A partir de 1° de março, a ECF encampou uma campanha contra o discurso de ódio do partido da extrema-direita na França: a Frente Nacional. Parecia que a questão da garantia dera subsídios para essa tomada de posição acarretando inúmeros Fóruns, Blogs, textos na publicação digital Lacan Quotidien, em especial, o Journal Extime de Miller. Foi, a partir do contexto da eleição na França, que Jacques-Alain Miller assinalou a diferença entre a posição do analista que se engaja a título pessoal, como cidadão, em um partido político de sua escolha, e a política da psicanálise que se move através de seu coletivo. Outros movimentos também deram largada e algumas consequências já frutificaram como a criação da Rede La Movida Zadig (Zero Abjection Democratic International Group) que no Brasil, sob a responsabilidade de Jésus Santiago, recebeu o nome de Doces&Bárbaros evocando o movimento tropicália. Trata-se com isso de colocar a céu aberto o trabalho em torno da política lacaniana, diferenciando-a da política partidária. Os grupos impulsores foram constituídos e um Fórum está sendo organizado sobre o tema: “Estado de Direito e Corrupção. O Real da Psicanálise é a nossa moeda”. Sejam benvindos a São Paulo no dia 18 de agosto 2017.

 

     Mas as surpresas não pararam aí: em um gesto de refundação, Miller anuncia a retomada do seu ensino de Orientação Lacaniana na forma de um Seminário desmutiplicado, dando nova vitalidade ao Campo Freudiano - Ano Zero -, conforme se pode ler no Blog da AMP[3].

 

     Concluo convidando os leitores a mais um número de Opção Lacaniana online cheio de boas surpresas, como o texto de Bassols, dentre os outros de vários colegas, que prestigiam esta revista, cuja publicação tem se revelado imprescindível para a formação contínua – um exercício que não termina e que só pode se dar a partir do cuidado rigoroso na formação com o final de análise e o dispositivo do passe, criado por Jacques Lacan.

 

Angelina Harari

 

 




[1] Harari, A. Em: Boletim do Conselho da EBP, Um por Um, n.329.
[2]Idem.
[3]Miller, J.-A. “Campo freudiano, ano zero”. Disponível em: http://ampblog2006.blogspot.com.br/2017/06/champ-freudien-annee-zero-campo.html